A maior parte dos leitores do Partiu Líbano são de descendência libanesa/árabe. Portanto, dá pra gente presumir que a maioria aqui tem ou teve um avô árabe, e reconhece a importância de lembrar sempre dele, né?
Como muitos aqui sabem, perdi meu avô árabe recentemente. Por coincidência, algumas semanas depois me deparei com a obra Meu Avô Árabe na internet: um livro infantil dedicado a todos os Jidos!
Conversamos com a Maísa Zakzuk, autora do livro infantil Meu Avô Árabe, da editora Panda Books. E você confere aqui a entrevista completa! Partiu?
Partiu Líbano: Como foi o processo criativo do livro? Tem referências pessoais, é uma história autobiográfica?
Maísa Zakzuk: “Eu já havia escrito um livro antes desse, o Árvore da Família (2008), que incentiva as crianças a serem os grandes investigadores da própria família. Eu sempre gostei muito de histórias do meu avô e da minha família, e vi que não tinha muito conteúdo sobre árvore genealógica na grade curricular. Foi aí que pensei em escrever a história da minha família e contar um pouquinho como você pode investigar a sua família, e como eu fui atrás dos meus familiares ao redor do mundo.
Quando a Panda Books lançou essa coleção Imigrantes do Brasil, eu fui convidada a escrever Meu Avô Árabe em 2012, e tive como referência meu avô, que veio da Síria. A personagem é meu alter-ego e ela conta como conviveu com o avô. A Yasmin, personagem do livro, tem características minhas. ”
Meu pai nunca gostou muito de falar, ele passou a gostar depois que comecei a escrever o livro. Essa sementinha da família querer saber sobre a nossa história fui eu quem plantei.
– Maísa Zakzuk
PL: Como foi essa pesquisa familiar pra que o livro saísse?
MZ: “Comecei a me corresponder com os outros Zakzuks do mundo pela internet, até no Egito encontrei. Isso foi bem no comecinho da internet, por volta de 2004. E aí comecei a escrever sobre eles, sobre as histórias deles. Isso incentivou toda a minha família a gostar também, minha mãe até me deu um livrinho sobre o lado dela da família, meu pai começou a me contar algumas coisinhas. ”
Fazendo uma pausa rápida na entrevista pra mostrar a vocês esse vídeo que está no canal Árvore da Família no YouTube, no qual a Maísa Zakzuk ensina a fazer um livro de genealogia!
Retomando o papo…
PL: E qual a faixa etária do público de Meu Avô Árabe?
MZ: “O livro foi escrito para crianças a partir de 8 anos. Ele é dividido em 5 grandes perguntas, em cada capítulo tem sempre um provérbio – o povo árabe gosta muito de provérbios, e ao longo da história fui colocando características do povo árabe.”
PL: E a recepção do público, como é?
MZ: “Muitas pessoas se identificam, e as crianças descendentes leem e se identificam. Mesmo crianças de outras descendências, porque as histórias de imigrantes são muito parecidas. Eles vieram pra cá, numa época X, a procura de trabalho, melhores condições, etc. ”
É muito rico você ter culturas diferentes inseridas na sua vida.
– Maísa Zakzuk
Fizemos uma lista dos melhores canais sobre cultura árabe no YouTube! Clique aqui pra conferir.
PL: Quais os aspectos mais nítidos da cultura árabe presentes no livro?
MZ: Tem uma coisa da comida, porque ela é uma materialização da união. O árabe é muito festeiro, isso que ficou pra mim. Ele gosta da comida, mas de falar, conversar, confraternizar. Isso é algo muito forte na cultura árabe. Eu acho que eles gostam demais da música árabe, manter as tradições… é claro que tem a questão do machismo. Meus pais não são machistas, mas meu avô era. O árabe tem uma cultura muito rica, isso não dá pra negar. Se você pegar a origem das palavras árabes você se surpreende, existe todo um raciocínio por trás. A informalidade do povo árabe também é um fator bem marcante, eles tratam todos como amigos, e isso é muito bacana!
PL: Quando falamos em mundo árabe, para muitos remete à guerra. Você fala disso no livro?
MZ: “Não entro no mérito da guerra, meu foco nesse livro é a história de vida. Eu gosto muito de contar histórias, e descobri isso trabalhando no Museu da Pessoa, em São Paulo.”
PL: E qual sua relação com o Museu da Pessoa?
MZ: “O Museu da Pessoa é um lugar muito importante pra mim, eu fiz um trabalho pra eles como editora de vídeo, que tinha depoimentos maravilhosos, de pessoas que começaram pequenas e conquistaram grandes coisas. Fiz cursos de formação lá no Museu também, como de História Oral, que é a história contada através das pessoas, puxando pela memória, tem toda uma técnica.”
PL: Meu Avô Árabe acaba esbarrando em um tema bem atual, que é a questão dos refugiados. Você acha que a obra contribui no ambiente escolar para que crianças refugiadas sejam aceitas?
MZ: “Ah sim, com certeza. Eu entrevistei 12 crianças refugiadas que estão no Brasil, isso para um novo projeto meu. São crianças da Síria, Venezuela, Haiti, Palestina… No Brasil não há tantos refugiados como em outros países do mundo, mas ainda teremos muito. E isso faz com que a gente tenha que aprender a recebê-los. Uma coisa que eu defendo é que é muito rico você ter culturas diferentes inseridas na sua vida.”
“Eu incentivo as crianças a quererem cuidar do presente. Um dia eles vão querer saber como era a infância, e sem a preservação da memória isso não será possível.”
– Maísa Zakzuk
PL: Falando um pouco agora sua trajetória pessoal, você tem passagens por diversos meios de comunicação diferentes dentro do campo audiovisual, como a TV Cultura, trabalhos de direção artística, também no rádio, fora o trabalho maravilhoso como escritora. Qual seu meio de comunicação favorito?
MZ: Essa transição foi muito interessante, porque eu sempre pensei em televisão quando eu escrevia. É diferente, mas me deu um repertório muito bom pra trabalhar com essa linguagem para crianças sem ser “reducionista”. É uma coisa pra família, como a Disney faz. Meu conteúdo é pra todos se divertirem juntos. O público do Árvore da Família, por exemplo, é de 7 a 90 anos. Eu escrevo e falo com crianças de igual para igual, mas de forma lúdica, sem ser “infantilóide”. Então todos os meus trabalhos até aqui foram importantes e contribuíram para a forma com que eu trabalho hoje.
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